Amigos da Alcateia

terça-feira, 15 de maio de 2012

História: Rikki-tikki-tavi - 2ª parte

Rikki-tikki sentiu os olhos rubros e ardentes (quando os olhas duma mangusta ficam assim é que ela está em cólera), e sentou-se sobre a cauda e as pernas traseiras, qual pequenino canguru; olhou depois em torno e ringiu os dentes de raiva. Nag e Nagaína, porém, já haviam desaparecido dentro do ervaçal. Quando uma serpente erra o bote, nada diz nem denuncia o que pretende fazer em seguida. Rikki desistiu de persegui-la, porque não tinha a certeza de poder agüentar a luta com as duas. Em vista disso correu para o limpo e sentou-se, a refletir. Estava metida numa complicação muito séria.
Quem lê os velhos livros de história natural aprende que quando uma mangusta combate contra uma cobra e é mordida, foge dali para o mato a fim de mascar certas ervas curativas. Não é verdade. A vitória depende só de olho vivo e músculos prontos - arremesso de cobra contra salto de mangusta. E como olho nenhum pode seguir o movimento duma cabeça de cobra que dá bote, a agilidade defensiva da mangusta constitui maior prodígio que o efeito mágico de misteriosas ervas.
Rikki-tikki, verdadeira mangusta que era, não deixou de sentir-se satisfeita de ter tão habilmente evitado aquele golpe a traição. Veio-lhe disso mais confiança em si e quando Teddy desceu correndo para o jardim, mostrou-se com direito de ser admirada. No momento, porém, em que o menino se inclinava para ela, qualquer coisa mexeu-se na areia e uma vozinha disse:
- Cuidado! Eu sou a Morte!
Era Karait, a pequenina cobra cor de areia, que costuma dissimular-se na poeira. Tem a mordedura venenosíssima, mas é tão minúscula que ninguém lhe presta atenção - o que a faz ainda mais perigosa.
Os olhos de Rikki-tikki tornaram-se novamente rubros e, erguendo-se, ela dirigiu-se para Karait, com o bamboleio de corpo herdado de sua raça. Parecia cômico aquele andar, mas era sábio, porque lhe punha o corpo num tal equilíbrio que num dado momento podia, veloz como o relâmpago, mudar de direção para onde conviesse, o que constitui grande vantagem para quem vive em luta com as serpentes. Rikki-tikki, ignorando isso, estava a fazer coisa muito mais perigosa do que combater Nag; Karait era tão pequenina e movia-se com tanta agilidade que, a não ser que fosse agarrada rente à cabeça, poderia, num contragolpe, atingir a mangusta no olho ou no focinho. Rikki não sabia disso e, com os olhos em fogo, bamboleava-se naquele balanço de equilíbrio, procurando o momento de dar o golpe. Karait avançou. Rikki saltou de lado e fugiu com o corpo, a tempo de livrar-se, por um fio de cabelo, do pequenino bote da cabecinha empoeirada.
Teddy gritou para dentro:
- Venham ver uma coisa! A mangustinha está caçando uma cobra!...
Rikki ouviu a mãe do menino dar um grito, enquanto o pai se precipitava para o jardim, de bengala na mão. Nesse entremeio Karait desferiu novo bote, que também falhou e Rikki-tikki caiu sobre ela, ferrando-a no ponto próprio, bem junto à cabeça. A mordedura paralisou-a, e Rikki ia devorá-la, a começar pela cauda, quando se lembrou que tais refeições deixam o corpo pesado. Ora, ela tinha necessidade de dispor, dum momento para outro, de toda a sua força e ligeireza para o recontro com as cobras grandes. Ficou, pois, em jejum e foi espojar-se no pó, sob uma touça de mamoeiros, enquanto o pai de Teddy dava umas últimas bengaladas no cadáver de Karait.
- Para que isso? - pensou Rikki-tikki. Eu já a matei.
A mãe de Teddy desceu ao jardim ainda aflita e tomando nos braços a mangusta apertou-a ao peito, dizendo entre lágrimas que ela havia salvo seu filho da morte; o pai do menino concordou que aquela mangustinha era providencial. Teddy olhava para os dois com os olhos muito arregalados.
E no íntimo Rikki-tikki divertiu-se com a cena, embora a não compreendesse. Ao jantar, passeando dum extremo a outro sobre a mesa, por entre pratos e copos, poderia ter-se regalado de tudo quanto quisesse; mas a lembrança de Nag e Nagaína a fazia manter-se em jejum. E conquanto lhe fosse agradável ser amimada pela mãe de Teddy, para cujo ombro saltou, seus olhos de quando em vez tornavam-se rubros e de sua garganta saía o grito de guerra: Rikk-tikk-tikki-tikki-tchek!
continua...

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